Parque de Estacionamento do Campo das Cebolas, Lisboa
Os trabalhos arqueológicos realizados no âmbito do empreendimento de requalificação/implantação do Parque de Estacionamento do Campo das Cebolas, em Lisboa, foram adjudicados à ERA-Arqueologia pela EMEL S.A. e decorreram entre os meses de Julho e Outubro de 2014.
Considerando que as obras implicavam a afetação de áreas com elevado potencial arqueológico, foram programados trabalhos prévios de diagnóstico com o objetivo de verificar os impactos sobre o eventual património histórico e arqueológico na área, bem como preconizar medidas de minimização. Do mesmo modo, a intervenção cumpria os objetivos de informar a equipa de projetistas de modo a permitir uma adequada e ponderada integração de possíveis estruturas arqueológicas existentes no local da obra.
Estes labores consistiram na escavação de 9 sondagens manuais de diagnóstico, numa área total de 500 m², implantadas no local de acordo com a área e a cota de afetação prevista para o projeto. Para a sua localização foi ainda tida em conta a análise da cartografia antiga de Lisboa, considerando que, conforme referido, se pretendia verificar a eventual subsistência de estruturas arquitectónicas no subsolo, nomeadamente, o Cais de Santarém ou o Cais da Ribeira Velha.
Na generalidade, os contextos estratigráficos observados nas diversas sondagens enquadraram-se numa cronologia contemporânea (séculos XIX/XX), estando associados à utilização do Campo das Cebolas como área portuária e sua posterior desativação. Pontualmente, foram também identificados alguns contextos de cronologia moderna (século XVII/XVIII), como alguns níveis de pavimentação na sondagem 1 ou depósitos de aterro nas sondagens 2, 8 e 9.
As sondagens 1, 2, 5 e 6 permitiram assim identificar as áreas de margem de rio, delimitadas por robustos paredões de cais que deveriam corresponder ao Cais da Ribeira Velha, usado durante o século XIX, representado na planta oitocentista de Filipe Folque, e que foram sofrendo algumas remodelações (representadas sobretudo na sondagem 6). Na sondagem 6, foram ainda identificadas possíveis bases de gruas de porto, vestígios de antigos equipamentos portuários associados a este cais.
Nestas sondagens, as estruturas portuárias encontravam-se sobrepostas por um relevante pacote de níveis de aterro contemporâneo, com materiais do século XIX. Atingindo a cota de afetação de obra (1,80 m de profundidade), prolongavam-se até aos 2,50 m de profundidade em determinados locais, onde se considerou pertinente a prossecução dos trabalhos de escavação no sentido de melhor compreender as realidades estruturais identificadas.
2.ª FASE (2015)
Realizados entre 18 de Maio e 12 de Outubro de 2015, estes trabalhos correspondem a uma segunda fase de diagnóstico arqueológico e consistiram na escavação de 5 sondagens manuais, numa área total de 237.80 m2, implantadas no local de acordo com a área e a cota de afetação prevista para o futuro projeto. Refira-se que os depósitos de cronologia contemporânea foram removidos com recurso a meios mecânicos de escavação.
Na generalidade e, tal como se verificou nos anteriores trabalhos de diagnóstico (Fase 1), os contextos estratigráficos observados nas diferentes sondagens enquadram-se numa cronologia contemporânea (séculos XIX / XX) e estão associados à utilização do Campo das Cebolas como área portuária e sua posterior desativação, com os aterros realizados em finais do século XIX.
Nas cinco sondagens realizadas (sondagens 11, 12, 14, 18 e 19) foi possível identificar as áreas de margem de rio, delimitadas por robustos paredões de cais, que deverão corresponder ao Cais da Ribeira Velha representado na planta oitocentista de Filipe Folque e que foram sofrendo remodelações posteriores, representadas sobretudo nas sondagens 6, 11 e 12.
Com efeito, se se considerar que a estrutura portuária registada na sondagem 11, e anteriormente identificada na sondagem 6, corresponde à inflexão para poente do cais oitocentista, representada na cartografia de época sensivelmente nesta zona, então, o troço do paredão que se sobrepõe a esta estrutura (identificado nas sondagens 6, 11 e 12), resulta de uma reorganização deste espaço num período posterior a 1871, data da planta de “calçadas e canalizações” da Câmara Municipal de Lisboa, onde o troço referido ainda não vem representado.
É possível que este troço tenha funcionado como pontão, dando apoio a atividades portuárias que tenham tido lugar neste local. É ainda de referir o troço do paredão encontrado na sondagem 19, o qual se encontrava desviado para Norte cerca de 3 metros em relação ao verificado na sondagem 18. Este facto pode testemunhar uma inflexão desta estrutura entre as duas sondagens ou da presença de escadarias neste local, conforme representado na cartografia da época.
Importa também mencionar os vestígios de elementos em madeira com entalhe, observados na sondagem 12, que podem apontar para uma pequena estrutura em madeira, de cariz temporário, associada à atividade portuária ou até mesmo relacionada com o aterro deste espaço nos finais do século XIX. Para além destas estruturas de cariz portuário, foi possível observar a presença de um grande caneiro nas sondagens 14 e 18, anteriormente identificado na sondagem 5, afigurando-se plausível que este acompanhe o traçado do paredão entre estas sondagens.
As estruturas com cronologias mais recentes representam testemunhos dos vários arranjos urbanísticos de que esta zona foi sendo alvo após o aterro de finais do século XIX. Assim, as estruturas presentes nas sondagens 11 e 12, por exemplo, podem ser vestígios da construção da nova Doca da Alfândega e edifícios anexos, na viragem do século XIX para o XX.
Face ao exposto, preconizou-se que na área afeta à construção do novo parque de estacionamento a prossecução dos trabalhos associados a este empreedimento devesse ser objecto de acompanhamento arqueológico permanente enquanto decorressem ações de afetação do subsolo. A identificação de contextos arqueológicos preservados implicaria a adopção de medidas de minimização adicionais, designadamente, escavação arqueológica manual.
No que concerne ao paredão do cais identificado nas diferentes sondagens, recomendou-se a integração do mesmo no projeto dada a sua mais valia patrimonial como testemunha da evolução de Lisboa, cidade portuária, que sempre teve o Rio Tejo como porta de entrada de gentes e influências culturais ao longo de toda a sua história.
Na impossibilidade de integrar esta estrutura portuária no projeto de obra, propôs-se o desmonte da mesma no âmbito dos trabalhos de acompanhamento arqueológico, no estritamente necessário à execução do projeto. O acompanhamento do desmonte deveria ter em consideração a remoção prévia dos aterros e infraestruturas que se encontram adossadas a esta estrutura portuária no sentido de melhor a caracterizar, designadamente, no que concerne à leitura dos paramentos e à possível identificação de fases construtivas mais antigas, bem como obter leituras quanto à sua caracterização que não foram possíveis de obter nesta fase dos trabalhos.