Circuito Hidráulico S. Pedro – Baleizão, Magra 3
As ações arqueológicas no sítio do Magra 3, no âmbito da “Minimização de Impactes sobre o Património Cultural decorrentes do Circuito Hidráulico S. Pedro – Baleizão”, fase prévia, foram adjudicadas à ERA-Arqueologia pela EDIA S.A. e realizadas de Fevereiro a Julho de 1013. Os trabalhos de minimização durante a fase de obra foram adjudicados à Omniknos Arqueologia e decorreram entre Agosto de 2013 e Março de 2014.
Uma vez terminada a fase de diagnóstico, foi possível aferir que este sítio teria duas fases de ocupação. A primeira correspondia a um assentamento de cariz industrial, vocacionado para a extracção de pedra e posterior transformação da matéria-prima em época romana, datada de meados do séc. I d.C. A segunda fase estava materializada pela presença de um pequeno casal rústico de cronologia moderna/contemporânea, cuja construção reaproveitou alguns dos elementos arquitectónicos da fase anterior.
Desta forma, foi preconizada a escavação integral destes vestígios, numa área total de 1347 m², cujos trabalhos permitiram a identificação de uma vasta área industrial vocacionada para a extracção e transformação da pedra em cal. Com uma dinâmica de ocupação enquadrada nos meados séc. I d.C., foi possível distinguir áreas de combustão, áreas de despejo dos detritos provenientes das fornadas e áreas de extracção de matéria-prima.
Através da análise da estratigrafia identificada no decorrer destes trabalhos, foi possível afirmar que nas fases correspondentes à utilização dos fornos estariam em funcionamento simultâneo, regra geral, entre 2 a 3 fornos. A durabilidade deste tipo de fornos era relativamente curta, uma vez que as paredes se degradavam rapidamente devido às altas temperaturas a que estavam sujeitas, pelo que o intervalo temporal correspondente à sua utilização teria de ser necessariamente curto.
Os fornos de produção de cal de cronologia romana seguem desta forma as recomendações feitas pelos autores clássicos, como é o caso de Catão, e é possível encontrar exemplares deste tipo de actividade em todos os pontos do antigo Império Romano, associados sempre a grandes cidades ou villae. Veja-se por exemplo o caso do forno de cal de Weekley, no Reino Unido, datado dos meados do séc. II d. C., associado a um grande estabelecimento romano situado a cerca de .8 km do local, cuja tipologia, morfologia das zonas de despejo e tipo de material associado, isto é, grandes recipientes de armazenagem, em tudo se assemelham aos fornos identificados no Magra. (JACKSON et alli, 1973).
Não obstante, até ao momento não foi ainda identificado nenhum paralelo para o tipo de ocupação identificada no sítio do Magra, no qual os fornos não estão associados a nenhuma ocupação em concreto, mas sim inseridos numa vasta área dedicada exclusivamente à produção de cal que abasteceria não uma cidade ou villa, mas sim todo um território em expansão.
Em relação à cultura material, é importante salientar o facto de esta revelar uma ocupação centrada exclusivamente entre os anos 40 a 60 d.C. No caso do sector 4, é ainda possível recuar esta ocupação até aos primeiros anos do séc. I da nossa Era, dada a identificação de dois pratos em terra sigillata itálica.
O tipo de materiais recolhidos reflecte, em parte, a dinâmica de ocupação e utilização de uma zona industrial vocacionada para a extracção e transformação de pedra em cal, num processo que apesar de sazonal deveria corresponder a vários dias de trabalho, uma vez que, como já foi referido, cada fornada poderia demorar até 8 dias. A maioria do espólio recolhido corresponde a recipientes de armazenagem, nomeadamente dollia, que poderiam ter sido utilizados não só para o armazenamento da cal como também para o armazenamento de bens tais como água e/ou comida.
Destacaram-se ainda, embora com menos frequência, alguns fragmentos de ânfora dos quais apenas foi possível estabelecer a sua atribuição formal com segurança a 2 exemplares, correspondentes à forma Dressel 7-11, cuja tipologia está associada ao transporte de preparados de peixe na costa Bética.
Em relação à terra sigillata, esta corresponde maioritariamente a produções sud-gálicas. No âmbito destas produções foi possível identificar 2 produtores, ambos com oficinas localizadas na região da Grauvesenque e cuja produção se inicia no início nos anos 40 d.C.: IVCVNDVS, e SALVETVS., revelando uma grande homogeneidade cronológica e regional ao nível da cerâmica de importação.
Não é possível compreender a importância deste sítio sem atender à dinâmica de ocupação e desenvolvimento da cidade romana de Pax Iulia, que se situa a cerca de 9 Km em linha recta deste local. No momento em que esta área industrial estaria em funcionamento, Beja estaria a ser alvo de uma série de reformulações urbanísticas impulsionadas pela sediação do Convento Pacense nesta cidade, o que implicou necessariamente a construção de equipamentos públicos, civis e religiosos, inerentes a qualquer capital de Convento.
Tal desenvolvimento urbano teria de estar apoiado num vasto programa de exploração e transformação matérias-primas, tais como a cal, para a edificação da cidade romana enquanto tal. O facto de a ocupação identificada se centrar nos meados do séc. I sugere que a sua utilização teria servido o propósito de edificar esta cidade nos primeiros momentos após a reformulação administrativa da Península Ibérica, iniciada por Augusto e desenvolvida por Cláudio.
Se atendermos a estes factores, a cronologia deste sítio e a sua estreita relação com a cidade de Beja, pode afinar-se a data desta sediação para o principado de Cláudio, enquadrado entre os anos de entre 41 a 54 d.C., confirmando desta forma a continuação dada às reformas políticas de Augusto por parte deste último.
Dada a grande extensão deste local e a complexidade dos contextos identificados, preconizou-se como medida de minimização a escavação integral de todos os contextos identificados no decorrer da decapagem mecânica e o acompanhamento arqueológico de todas as acções que implicassem remoção de terras no decorrer da empreitada de construção da Barragem da Magra.